terça-feira, 4 de março de 2014

Quanto vale um médico?

“A civilização é o avanço de uma sociedade em direção à privacidade. O selvagem tem uma vida pública, regida pelas leis de sua tribo. Civilização é o processo de libertar o homem dos outros homens.”
Ayn Rand

“Parei quando a medicina foi colocada sob controle estatal há alguns anos – contou o Dr. Hendricks. – A senhorita imagina o que é preciso saber para operar um cérebro? Sabe o tipo de especialização que isso requer, os anos de dedicação apaixonada, implacável, absoluta para atingi-la? Foi isso que me recusei a colocar à disposição de homens cuja única qualificação para mandar em mim era sua capacidade de vomitar as generalidades fraudulentas graças às quais conseguiram se eleger para cargos que lhes conferem o privilégio de impor sua vontade pela força das armas.
Não deixei que determinassem o objetivo ao qual eu dedicara meus anos de formação, nem as condições sob as quais eu trabalharia, nem a escolha de pacientes, nem o valor de minha remuneração. Observei que, em todas as discussões que precediam a escravização da medicina, tudo se discutia, menos os desejos dos médicos. As pessoas só se preocupavam com o “bem-estar” dos pacientes, sem pensar naqueles que o proporcionavam.
A ideia de que os médicos teriam direitos, desejos e opiniões em relação à questão era considerada egoísta e irrelevante. Não cabe a eles opinar, diziam, e sim apenas “servir”. Que um homem disposto a trabalhar sob compulsão é um irracional perigoso para trabalhar até mesmo num matadouro é coisa que jamais ocorreu àqueles que se propunham a ajudar os doentes tornando a vida impossível para os sãos.
Muitas vezes me espanto diante da presunção com que as pessoas afirmam seu direito de me escravizar, controlar meu trabalho, dobrar minha vontade, violar minha consciência e sufocar minha mente – o que elas vão esperar de mim quando eu as estiver operando? O código moral delas lhes ensinou que vale a pena confiar na virtude de suas vítimas. Pois é essa virtude que eu agora lhes nego.
Que elas descubram o tipo de médico que o sistema delas vai produzir. Que descubram, nas salas de operação e nas enfermarias, que não é seguro confiar suas vidas às mãos de um homem cuja vida elas sufocaram. Não é seguro se ele é o tipo de homem que se ressente disso – e é menos seguro ainda se ele é o tipo de homem que não se ressente.”
O relato exposto é do Dr. Dr. Hendricks, personagem do clássico romance filosófico “A Revolta de Atlas”, principal obra da novelista russa Ayn Rand, nascida Alisa Zinov'yevna Rosenbaum e que em 1926, aos 21 anos, fugiu para os Estados Unidos. Num momento em que se sobrepõe a visão socialista da medicina, colocando os médicos como meros escravos do povo, Ayn Rand se mostra mais atual que nunca com seu personagem explicando porque se uniu aos demais intelectos que entraram em greve, abandonando as pessoas à própria sorte.
Na mitologia grega, o titã Atlas recebe de Zeus o castigo eterno de carregar nos ombros o peso dos céus. Como exposto na resenha da obra de Ayn Rand, os pensadores, os inovadores e os indivíduos criativos suportam o peso de um mundo decadente enquanto são explorados por parasitas que não reconhecem o valor do trabalho e da produtividade e que se valem da corrupção, da mediocridade e da burocracia para impedir o progresso individual e da sociedade.
O conteúdo do livro, agregado em três volumes, preconiza o individualismo filosófico e liberalismo econômico, convicções que a escritora sempre expôs em suas obras. Ensinava Ayn, morta em 1982, que o homem deve definir seus valores e decidir suas ações à luz da razão; que o indivíduo tem direito de viver por amor a si próprio, sem se sacrificar pelos outros e sem esperar que os outros se sacrifiquem por ele; e que ninguém tem o direito de usar força física para tomar dos outros o que lhes é valioso ou de impor suas ideias sobre os outros.
Acho que Ayn Rand nunca foi tão atual e que devemos refletir sobre suas lições.

Publicado na revista Iátrico, nº34 (2014)

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